Frações.

Vinte e cinco. Um quarto. Vinte e cinco por cento. Dois mais cinco, sete. 

Naquele mesmo quarto que te vi crescer, que sempre achei maior do que sempre foi. Sempre te achei mais velha do que realmente era, com suas decisões inquestionáveis e suas duas graduações. Nos meus quatro anos, eu já memorizava as linhas do bule de cerâmica da vovó, já via crianças mortas de fome da Etiópia e já me sentia distante do Deus cristão. 

Eu carregava flores no altar de Nossa Senhora, pelo teatro. Cravos, corações e véus. Eu era brilhante. Mas da porta para dentro, eu era apenas uma criança normal. Talvez, até menor. 

Hoje, um quarto de século depois, sentada na sala da minha casa - relativamente maior do que toda a casa que crescemos - nos mesmos vinte e cinco anos que você tinha quando eu tinha zero por cento de um século, me enxergo mais despreparada do que já fui, mas ainda mais preparada do que você. 

Pode ser pretensão. Pode ser outro nível de evolução. Pode ser o fato de que você teve que trabalhar 18 horas num dia, para que eu tivesse um quarto de quarto, com um papel de parede roxo de bolinhas. 

Nas contradições de vinte e cinco anos, me teletransporto para aquele momento, dois mais cinco anos atrás. O que será que você sentiu quando minha cabeça cheia de cabelos apontou para fora? Sinto que não podemos dizer mais que você me acompanhou em todos os meus nascimentos. Em alguns, nasci natimorto. Em outros, renasci já com três quartos de século. 

Só nesse ano, li todos os livros que não tive tempo de ler nos últimos dois terços de década. Fui amada como não foi nos últimos quarenta e cinco por cento de anos que vivi. Sangrei como nunca. Enriqueci como eu sei que você imaginou que eu enriqueceria. 

Sinto que esse nosso duelo de frações vai existir até o dia que alguma de nós se entenda como inteira. Gosto de pensar que, nesse aspecto, estou à sua frente. Quantos quartos de século te faltam para que você se sinta cem por cento responsável pelo um quarto de século de sofrimento que me causou? 


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