A3

Me vejo com uma caricatura barata, feita por um argentino esperto, na beira da praia de Copacabana. Os transeuntes que são atraídos, visam o escárnio de suas próprias imagens, com traços distorcidos e cabeças sempre grandes demais. 

Nessa folha de papel A3, enrolada debaixo do braço, estou eu. Amassada entre lembranças coadjuvantes de viagens, com o nariz mais pontudo que o habitual - ou talvez, de fato, o seja, e o espelho que vem mentindo para mim todos esses anos... - amarelo com o tempo, envelheço mal como as traças que se apossam do A3. 

A diferença entre eu e o desenho é que este é eterno, não se trai, guarda o momento em que eu, com meus 16 anos, pisava na Bahia pela primeira vez. As tatuagens temporárias, a areia vermelha, as praias desertas e a silhueta das passarelas cheias de pessoas que se parecem mais comigo hoje do que com a caricatura do argentino. 

Para a época, traição era imoral. Álcool era pecaminoso; sexo, só com amor. Amor, só com o tempo. 

Ah! Se eu pudesse fitar a grande cabeça desenhada no A3, eu lhe diria que ela iria amar sem sexo, trair por amor - um amor que é tão imediato quanto uma onda que se quebra na Praia Vermelha - e transar um sexo sacro, impecável, irrefreável. Divino. Salubre. 

Eu lhe diria que as certezas que ela coleciona debaixo dos cabelos loiros artificiais não sustentam os próximos 10 anos que se seguem. Também atentaria para a morte daquela que senta no banco do passageiro do carro que te levou à Bahia pela primeira vez. 

Pensando bem: nada falaria. Não considero que sou mais sã do que eu era aos 16 anos. Não sou a melhor conselheira que já conheci, tampouco tenho moral para educar uma jovem sobre seus próprios propósitos. 

Talvez a ausência de conselhos te deixe atônita. E pensando melhor ainda, eu lhe ofereceria uma dose de algo bem forte e te mostraria uma caricatura atualizada das nossas feições, para que se junte a onde quer que o A3 esteja hoje - porque comigo essa infame peça não está, graças à Deus. 

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