A rotina do Paraíso.

Mais do que as escadas barulhentas, os guizos denunciavam a minha presença. 

Onde havia uma linda cabaleira cacheada, restava a careca e poucos fios rompendo da cabeça recém-raspada. Eu estendia as roupas brancas, sempre muito alvas - detesto encardido! - com uma postura deveras ritualística. Em silêncio, eu contemplava os pés de frutas do outro lado do muro do barraco. 

Já não era sem tempo: o tilintar dos guizos despertou o dono-vizinho-corvo da casa de lado (mas que também era a casa de cima), e ele desceu para me importunar. 

Era assim que eu me sentia com todas as micro interrupções no meu Paraíso: perturbada. 

Me vendo de branco, kelê no pescoço, guizos nos pés, ele me contava sobre uma vez em que ele e a esposa - que eu quase nunca via - tinham ido a um terreiro. Entre versos e revézes, percebo que ele está falando do meu ilê. 

Nunca mais o dono-vizinho-corvo me importunou. Nem quando minha casa virou um grande sobe-desce de homens pretos de toda ordem: altos, fortes, magros, dos olhos verdes ou negro jabuticaba; angolanos, nigerianos e brasileiros, do Paraíso, como eu. Mas só depois que acabou o preceito. 

Dentre todas as coisas que mudaram, uma permaneceu: todo dia que eu lavava roupa, chovia. Uma chuva pesada, de lavar o amaciante da roupa. E eu reclamava, grunhia. Um Paraíso de rotina. 

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