Chegada ao Paraíso
Da mudança, só me lembro da chuva. Grossas gotas d'água me paravam enquanto eu descia toda sorte de coisas que vi em casa durante toda uma vida - um sofá cama azul marinho com uma estampa xadrez, que sempre achei horrendo; um fogão que era preciso fósforo para que ele acendesse, um baú de madeira, uma cadeira giratória de escritório. O motorista do caminhão de mudança parecia enfurecido por me ajudar.
Do alto dos meus 20 e poucos, eu ostentava uma cabeleira linda cacheada. O dono da quitinete que eu aluguei me olhava com aqueles olhos de corvo da janela. Ninguém ofereceu ajuda. Ninguém quase nunca oferecia. Poucos amigos meus subiam e desciam das escadas de um material duvidoso - que fazia um barulho absurdo ao subir, denunciando ao dono do barraco que alguém saíra e entrara. No fim, pedi umas cervejas e me lembrei que eu não tinha geladeira. "Merda!"
Quando o último dos amigos saiu, contemplei meu pequeno cortiço. Meu coração se encheu de uma sensação estranha, bem próxima da felicidade.
Aquilo era o Paraíso.
Me enfurnei na cama recém-formada e só fui acordada pelas mesmas grossas gotas d'água que inundavam o barraco.
Em menos de um dia, eu estava toda debaixo d'água. E ninguém sabia. Só eu e os baldes que eu não tinha - e tive que sair para comprar.
Ainda sim, o Paraíso.
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