Sergio,
Para cada tempo que fico sem notícias suas, cria-se um espaço bonito e fantasioso onde invento o que você faz. Estaria você, finalmente, lendo aquele livro que te dei - na tentativa de te encorajar a abraçar o Jornalismo, que hoje você mal menciona a possibilidade -, ou jogando bola todos os dias? Quiçá fazendo cerâmica ou plantando hortaliças no seu apartamento? Vendo filmes ou comentando novelas? Será que viu a posse do Trump e reparou a mesma coisa que eu - os vincos esbranquiçados deixados pelo bronzeamento laranja que não sei porque ele insiste em fazer?
É fato que a cada lacuna de você no meu espaço-tempo, fica o espaço que a psicánalise chama de neurose: aquele blá blá blá lacaniano que a gente nunca pede o que de fato quer, por medo de realizar e quebrar o gozo da culpa no querer. Acho que sinto isso quando penso que talvez a gente se encontre em Salvador daqui uns dias. Mas nunca, jamais, eu marcaria esse encontro (inclusive, já leu O Encontro Marcado, do Fernando Sabino? Sublime!). Não marcaria porque tenho medo de ficar triste caso ele não aconteça. Secretamente, torço para que a gente se encontre na rua - mas sabendo que as probabilidades são quase nulas, assim como eram de eu e você estarmos na mesma cidade, ao mesmo tempo, e quase que por um escape não falarmos sobre.
Acho que faz parte da nossa neurose (falo com intimidade dessa nossa, porque você partilha dela, e muito), correr atrás do nosso próprio rabo, rodear esse amor como quem só colore dentro da linha, contenciosos e paranóicos, com medo de que algo saia do controle - mas torcendo para que saia e exploda em cores e que a vida faça por nós o que somos incapazes de fazer - bancar o desejo.
Também fico pensando se você fantasia com o que faço quando me calo. Como sou jacu, eu poderia estar falando contigo e te inundando de vlogs verborrágicos do meu dia a dia. Tenho feito muita coisa, mas pouca coisa que te interessaria. Depois do nosso último atrito, me recuso a falar das camas em que deito (caso queira saber, não foram muitas). Tenho brigado muito. Dentro de mim mora essa fera que se exploda e se exalta, que morde ao menor sinal de amor ou ingrtidão. Diz Jessica, a astróloga que me acompanha, que é Marte que está retrógrado. Ora, então eu, marciana, tô andando para trás desde que nasci.
Tenho lido muito, leituras que alimentam a alma. Mas parece que a leitura é meu sinthoma - quando me contrario, escapo da realidade e mergulho em fantasias que não criei, como uma voyeur de araque. Desse fetiche, também compartilhamos. Dei abertura para que sua obsessão te trouxesse até aqui. E acho bonito que sustentemos esse silêncio - eu acho que você me lê, mas você não fala nada; ao passo que começo a acreditar que estou maluca presa num delírio narcísico e daqui 5 anos quando num rompante você me mandar flores no meu aniversário, citando essa loucura aqui, eu vou enfim pensar: "ufa, então ele estava lendo mesmo".
Esses dias perguntei ao Chat GPT qual era o estilo das coisas que escrevo aqui, porque alguém me perguntou (a pessoa que vai me ajudar a editar meu novo livro, o único, mas que acho chique chamar de "novo"). A IA disse que é algo entre Clarice Lispector e Virginia Woolf: visceral, feminista e amargurada. Que chatura. Apesar de amar as queridas. Achei chato que eu pudesse ser tão melancólica e cheia de tesão ao mesmo tempo.
Nessa nossa onda de silêncio fico pensando que dizem que Oxum é uma orixá silenciosa. Eu acho o estilo dela meio passivo-agressivo: a fala precisa ser conquistada. Como filha dela, meu dilema é: não tenho nada de relevante pra dizer. E aí prefiro ficar calada. Será isso um tipo de sabedoria?
Fico me achando super inteligente e meio burra ao mesmo tempo. Te apressei para desenrolar o novelo de lã do nosso quase-affair e descobri que gosto desse quase. Acho que somos companheiros de edging. Uma tendência desse ano, como te encaminhei naquela reportagem.
Enfim, rodei no meu próprio rabo para matar um pouco da saudade que tenho de você. Odeio que você ache que tenha que fazer detox, que mané detox, coisa de millenial perturbado da cabeça. Minha receita médica pra você seria um Encontro Marcado nos próximos dias. Mas eu jamais marcaria. E se você falasse que não? Aí eu acho que explodiria. Apesar de achar que você nunca me disse não. Só um tanto de "talvez".
Te amo o mesmo tanto de sempre,
Amanda.
Nossa, esse finalzinho me lembrou minha análise.
ResponderExcluirGostei muito da digressão nos astros, nos orixas, em destino.
Gosto da fera q morde amor e ingratidão* (Check spelling)
Interlocutor: Sérgio
Todas cartas de amor são ridículas (TCAR - acronimo, mas tambem cartas de tesão)