estou pensando para onde as coisas que morrem vão. se são pessoas, elas são veladas, cremadas ou enterradas. no caso da cremação, existe toda uma questão entre deixar uma urna em casa, com o morto te vigiando; ou jogar em algum lugar importante. de toda forma, há um lugar. se enterrado, o presunto vai pra debaixo da terra; se é um cemitério particular, ele fica lá, com os frios vermes roendo seu cadáver. em alguns lugares plantam árvores. já fui pegar terra de cemitério e vi as lápides. em cemitérios públicos, depois de uns anos eles exumam o corpo e depois disso, não sei o que acontece. poucas pessoas morreram próximas à mim e, a mais recente, não tem o tempo da exumação. mas é fato que a gente vai pra algum lugar. 

mas é claro que quando penso sobre onde vamos quando morremos, penso primeiro para onde foram as pessoas que matei aqui dentro de mim: noivo, paixões, pessoas que beijei e bloqueei, amigas das quais me afastei. me estranho com a perspectiva de que elas ou foram cremadas e as cinzas jogadas em outros cantos, ou jazem... aqui? 

ao mesmo tempo que talvez elas jazam aqui, não notei seus lutos: sou terminativa e teimosa, me retiro e retiro tudo. pode ser que eu tenha me perdido neste processo de compreender que ignorar a existência é diferente de morrer. ora, o que ocupa mais espaço: o que morre ou o que me esforço para não ver? 

tampouco vivo lutos - no dia seguinte pinto os lábios de vermelho e saio. e nas saídas, conheço outras pessoas. nessas outras pessoas, ignoro a existência das antigas, ainda que algumas se pareçam muito. 

mas aí um dia eu lembro. lembro enquanto lavo a louça e vejo o trincado no prato que ele comeu; lembro quando revejo fotos e reconheço os rostos. lembro quando vou contar uma história e seus membros saltam como almas-penadas, ossos exumados, partes meio vivas, meio mortas, criaturas mórbidas que não soube dar caminho. é, porque ao invés de morrer, elas poderiam ter vivido de passagem. mas eu não sei me despedir. 

o adeus tem mais morada que o até logo. 

Comentários

  1. Minha amiga, espero que você consiga e possa viver o seus lutos. Mesmo que parte do processo seja realmente pintar as madeixas de vermelho e ser a neta gostosa que ela criou. O penúltimo parágrafo é lindo, ate logo!

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