(Per)*

Te parei desentendida, do nada, ofegante e cansada e num sussurro qualquer os dois pararam. Meus olhos se encheram de lágrimas e eu então entendi. Naquele momento não entendi teu abraço com cheiro de casa, não entendi nossos filhos correndo pela neve, não entendi nossas fotos no mural. Teu sorriso me cortava o coração e eu pedia: "torna-me perfeita", e tu me dizias: "torno-te o que quiseres". (...)
Sei que tu tens um gosto distinto, um paladar de névoa, um apetite estranho. Tens também porte alto, olhar vago e lábios firmes, rígidos. És sólido como eu nunca fora. Tens um andar dançante e quando cola teu corpo ao meu nas antigas danças, é como se me possuísse por inteiro, como se me desintegrasse e em cada giro perco minha essência e ganho a tua, bela como eu nunca fora.
Tua estética clássica, de tão finos traços, envergonha minha composição mestiça, meus trejeitos inapropriados. Teu corpo me oferece abrigo e eu lhe ofereço como povoar. Quando cantas comigo minhas bossas preferidas, teu sotaque me faz rir abertamente, nos embalamos. Tua alma elástica aceita-me como sou, abraça meus conflitos, sufoca meus gritos, me enche de um amor cotidiano, renuncia meus instintos mais insanos.
Mas é quando deitas no sofá, meio desnudo, o cabelo despenteado nas almofadas, as costelas apontando sob a pele tão quente, tão humana, o sol roubando tua luz, a paz verberando nas paredes, é quando te amo mais. Amo a ti por ser humano.
Te parei entendida, do nada, plena e conformada e aos berros chamei teu nome e nossos braços se perderam no ar. És (per)feito em mim. 

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