amor em tempos de capital
Você saiu correndo de mim, num choro desesperado, de quem não sabe mais para onde correr. E eu fingi que compreendi, fingi que aceitei, ainda finjo que estou bem. Finjo que estamos juntos. Se me perguntarem de você, ainda lavo a cara para dizer: "tá bem!". Quando você me diz que não tem o que comer, eu olho para minha dispensa farta, as panelas transbordando de natureza morta; eu sinto nojo da assimetria, num egoísmo pujante de quem sofre com a pobreza pela primeira vez: ela levou o meu amor. Atualizo-me a toda hora, atrás de informações que me provem de que você ainda está por aí, mesmo sabendo que eu talvez eu não esteja mais. Te vejo no teu quarto, na tua parede, meu orixá pendurado, rogo para que Ela me devolva a vista da cidade que eu tinha da tua janela, seu cheiro de cigarro de palha, seu sono pesado de um cansaço cotidiano.
E me vou vestida de lágrimas para todos os lugares. Ninguém vê. A ironia da transparência da água é que só dar para sentir pelo toque. E que falta eu sinto do seu... no começo já haviam me dito, entre risos, sobre o amor impossível.
Me parece distante, intangível.
Não sei se sou resiliente o bastante.
Não sei se sou decente o bastante.
Afogo no álcool a minha lembrança.
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