Parte I: A Casa Branca de Janelas Azuis

Cheguei em casa depois do trabalho. Na minha casa.
Caminhei pelos azulejos acinzentados, me incomodei com a habitual bagunça.
Olhei para os fios de cabelo no chão do banheiro, enquanto eu tirava os sapatos e tentava vencer o cansaço.
Eu tenho um hábito de sentar no chão pra jantar. Por mais que eu tenha uma mesa.
E deito nesse mesmo chão, fitando o teto e as duas únicas lâmpadas que tem na minha casa de três cômodos.
Nos tantos pensamentos que cruzam minha mente, caminho dentro de mim. Por dentro, me vejo como se eu me fitasse através de um espelho.
Atrás desse espelho, estão as tantas outras pessoas que um dia eu fui.

[...]

Uma vez, quando eu morava numa rua curtinha, a casa da esquina parecia uma mansão colonial nos meus olhos de adolescente. As heras cresciam pelo muro e as janelas eram pintadas de azul. Numa delas, tinham adesivos dos anos 90. Nunca soube ao certo quem morava lá.

Da mesma janela que eu via a casa de janelas azuis da esquina, eu via uma rede de proteção. Esse fragmento de rua era o mais próximo de liberdade que eu conseguia sentir. Do lado de dentro do quarto, eu pintei as paredes com círculos roxos e amarelos. Eu adorava ver o pôr-do-sol.

Nessa mesma rua eu fiz amor pela primeira vez - mas não era bem amor.

Tomei meu primeiro gole de vinho, até quando finalmente me embriaguei. Dormi junto do meu grande amor. Ainda sem sentir exatamente o que era a liberdade que eu achei que sentiria quando cruzasse a esquina da casa de janelas azuis - e nunca mais olhasse para trás.

Naquele mesmo quarto, eu me escondia dos gritos. E chorava. Ouvia músicas tristes e lia filosofia. Eu olhava para os círculos roxos e os ressignificava; um dia eram roxos da pele, no outro, bolhas de sabão. Imaginava as elocubrações da Imaginação de Sartre escorrendo pela parede. Escrevia poesias.

Entre as letras de música em inglês e os pronomes em italiano escritos na parede do guarda-roupa, eu vi meus irmãos crescerem.

Nem me lembro quantas vezes fiz as malas e quantas outras eu voltei. 

Um ônibus laranja passava na porta todos os dias pra me levar pra escola. Tiveram dias que eu usava blusas de frio no calor. Escondia os roxos - os da parede, os dos braços, os de dentro.

Depois de muito tempo eu entendi que o vizinho da casa branca de janelas azuis me enxergava como a vizinha da casa cinza de janelas roxas. Estamos sempre observando casa de alguém.

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