prelúdio

esse livro, que é como se fosse nosso filho, nasceu natimorto. 

e eu tentei abortá-lo, várias vezes. tentei impedir sua concepção. mas ele, travesso, se esgueirou pelos tórridos caminhos desse meu útero literário. e lá foi fecundado - não tinha como não ser. gestado entre cadeiras de bar, divãs, mesas de tarot e bancos de trás de carros de aplicativo. descobrimos nele, uma má formação - não se sabia ao certo o que ele seria: seria um conjunto de crônicas? poesias? textos de prosa poética desconexos onde o autor escolhe não usar letras maiúsculas? e então percebemos, num raio-x que pouca coisa nos esclareceu, que ele seria isto - um emaranhado de muitas coisas. uma versão latinoamericana e suburbana do Frankstein de Mary Shelley. um filho indesejado, que cresceu em meu ventre escondido, chutando sem parar, até deixar minha barriga deformada. e as pessoas me perguntavam: "o que é isto?", e eu dizia: "é um livro!", sem nem me dar conta de que não existe livro sem capa. e não existe capa sem título, e não existe título sem antes admitir que sim, sou escritora. 

esse livro é como um filho, meu filho, que nasceu morto. numa lógica de sacrifício, ele deu a vida para que eu me desse conta de mim mesma. e eu, que sempre amei viver histórias, tinha dificuldade de escrevê-las, porque pra isso eu precisaria de definir personagens, e eu nunca fui boa em definir nada. só em indefinir. em abstrair. em derreter. 

pra ter um filho é preciso de que? 

pra ter um livro é só saber ler? 

afinal, de quem é esse filho-livro? 



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