PUTA!
Tem muitas coisas que eu não te disse - e sinto que não falá-las me viola mais do que as implicações que esse e-mail vai ter.
Eu tenho te procurado. Vejo nossas fotos, releio nossas conversas. Tento entender em qual momento as coisas se partiram, em qual momento convidamos a violência para morar junto com a gente.
E por mais que eu esteja falando, escrevendo, eu sei que você não vai me ouvir. Eu sei que você vai reagir, vai me culpar, vai dizer que fui eu quem comecei, quando na realidade você sempre foi mais forte que eu. Você sempre esteve mais no controle. Você sempre sabia que terminaria assim.
Eu te amei muito. Profundamente. Mais do que eu achava que amava, e com certeza mais do que eu podia. Mas amei. Eu olhava nos seus olhos e tocava a sua pele como se você fosse a minha pessoa, meu par pelo mundo, minha outra metade. E, é claro, que quando uma metade se parte, a outra não se estrutura para continuar. E foi assim que se seguiu.
Me parti em mil pedaços, principalmente porque vi, naquela noite, um ódio tão grande nos seus olhos, misturado com um desespero febril, e senti medo. Pela primeira vez eu senti medo de você, mesmo sabendo que você não iria me ferir com aquela faca.
Mas você me feriu. Desferiu golpes contra a minha moral. Me chamou de puta. PUTA, PUTA, PUTA. Com a boca cheia de um sentimento que eu nem soube identificar.
E eu me senti suja. Senti meu estômago revirado. Mesmo sem me ver, eu sabia que meus olhos estavam vidrados. O reflexo das luzes azuis e vermelhas ficaram impregnados nos meus olhos, mas eu não ouvia som, não ouvia quando os policias me chamavam, não sentia nada.
Eu queria morrer.
Uma morte dramática e cheia de dor. Queria derreter entre os ladrilhos do chão da nossa casa, que durante a briga você falava "se eu morei aqui, essa casa ainda é minha", como quem diz "se eu passei por você, tudo que você é, me pertence".
E eu, de fato pertencia. Cada pedeço meu estava marcado por você, de uma forma indissociável e sofrida. Era difícil me imaginar existindo sem você. E não de uma forma sintomática - quando eu me via, já estava com você de volta. Quando eu sentia o vazio, eu corria para que você preenchesse.
Nesse vai e vém, não sobrou mais eu. Deixei de existir.
Assim como todas as nossas memórias felizes, também deixaram. Assim como seus olhos cheios de lágrimas me pedindo em casamento, sumiram. Assim como nossas fotos juntos, nossos corpos colados, nossas juras de amor, nossos planos, nossos filhos, nosso casamento. Sumiu.
Agora vejo você com as roupas que te dei e penso: será que você pensa em mim toda vez que as veste? Será que você se arma de tudo que era nosso antes de sair de casa?
Será que você consegue viver sabendo o que aconteceu? E ser feliz, e dançar, beber e fumar, beijar se encontrar, sabendo que o que existe entre nós é uma mágoa grande o suficiente para nunca mais se dissipar?
Me coço da cabeça aos pés e meu corpo se cobre em pequenos pontinhos vermelhos, meio que tentando arrancar a minha própria pele e, da pele, as lembranças que ainda tenho de você.
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