O amor é 7 (capítulo I)
Nas fotos me via bebê, embrulhada, pequena, como um pequeno pacotinho. Sempre imaginava a foto em movimento, você me lançando um olhar de ternura. Todo mundo me falava que você me amava - e que eu era sua cara, da cabeça aos pés. Às vezes é por isso que você resolveu me chamar de Amanda - aquela que é digna de ser amada.
No fundo da memória, lembro de te ver sentado lá no fundo da minha apresentação da escola, e eu levantava o troféu de quem leu mais livros no ano, orgulhosa.
E quando te vi abrindo mão de mim, pensei: então ser Amanda é ser esquecida? É não ouvir o telefone tocar nos aniversários?
Ano após ano foi crescendo em mim uma dureza. Ela começou dos pés e subiu até o pescoço, me enforcando. E eu já tinha certeza de que você era vil e omisso - e estava preparada para envelhecer sozinha, na torcida para que te contassem o quanto eu era um sucesso. E te mostrar que eu não precisava de você.
Mas eu precisava.
Eu precisava de me sentir Amanda. Eu precisava de ser protegida.
Tudo bem, já passou muito tempo, eu entendo. Você é humano. A gente aprendeu. E eu, que sempre criei histórias suas como se você fosse uma espécie de Dom Quixote, entendi. Somos reais. Muito mais reais do que as fotos que não movimentam.
Eu estava na camarinha quando me chamaram e meu coração disparou. Cobri o kelê de Oxum no pescoço e perguntei: "posso abraçar meu pai?", e me responderam: "espera só o corpo dele esfriar primeiro".
Nas narrativas que criei e continuo criando, consigo entender o porquê da sua escolha pela distância. Só idealizamos o que não estamos perto o suficiente para perceber o bafo, a ressaca, as cicatrizes, as lacunas, as inconsistências.
Daqui, continuo engrandecendo e floreando as histórias suas que ouvi da boca de outras pessoas. Continuo inventando o que eu não sei, o espaço-tempo que não foi preenchido pela sua presença. Continuo criando sobre meu próprio mito fundador, aguerrida, desapegada da própria realidade.
O clichê da ausência de pai me fez amar através de fantasias.
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