Café da tarde *

Com o passar dos anos eu percebi as coisas encolhendo e aumentando, em proporções disformes, como se eu vivesse na história de Alice. De um apartamento pequeno e uma família consideravelmente grande pro espaço, uma garrafa preta e grande de café que me alimenta inconscientemente pelas manhãs, eu estava vazia de explicações. E tudo fazia sentido. De repente um rompimento e saem metades machucadas e sangrentas pra todos os lados; até os cães deixaram à mim e minha mãe sozinhas, numa casa grande demais. E a garrafa encolheu. De preto nobre passou para um vermelho solteiro, da mesma cor dos nossos esmaltes, libertos. O que antes alimentavam vários, hoje fervo água apenas para mim, sozinha na cozinha. Até a solidão me parecia maior. Na verdade, quanto mais cheia a casa se fazia, mais isolada eu estive, dentro de minúsculos compartimentos de uma única dor - a de não ser suficientemente igual. Agora contemplo a solidão como uma amiga e a sirvo do meu café - não tão amargo quanto antes fora - e juntas contemplamos a paz das vozes silenciadas. Juntas rimos do sangue seco da partida, que agora teceu-se em tapete e jaz junto à porta, nos lembrando do que talvez um dia esqueçamos: do quão mínimo somos.  

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